Por Amir Labaki
Cineasta e diretor de fotografia, D.A. Pennebaker (1925-2019) era tão americano quanto bourbon e cheesecake, JFK e Bob Dylan, Janis Joplin e Norman Mailer, a lâmpada e o steadycam. Foi um dos três mosqueteiros do quarteto essencial que, entre o final dos anos 1950 e o início dos 60, lançou e desenvolveu a escola documental do Cinema Direto, ao lado de Robert Drew, Richard Leacock e Albert Maysles. Com a morte de Pennebaker no último sábado, despede-se o último dos pioneiros de uma das sagas fundadoras do documentário como uma arte autônoma.
“Foi a sincronização que realmente transformou os documentários”, argumentou Pennebaker em 2017, num de seus últimos depoimentos históricos. “Eu ajudei a construir o equipamento que Drew usou para sincronizar a câmera e o gravador de som”.
Conhecimento técnico não lhe faltava. Seu pai era um famoso fotógrafo publicitário de Chicago e Pennebaker se formou em engenharia. Insatisfeito com a profissão, ganhou a vida por um bom tempo como marceneiro e com os trocados que ganhava com a venda de pinturas eventuais.
O encontro com o documentarista Francis Thompson (1908-2003) corrigiu-lhe a trajetória. Penne começou como seu assistente geral e colaborou na feitura do documentário experimental “N.Y., N.Y.” (1957). Antes, o aprendiz de cineasta já estreara com um curta documental (Daybreak Express, 1953) que ritmava seus flagrantes de uma jornada de metrô por Manhattan com a gravação clássica de Duke Ellington (1899-1974).
Em fins dos anos 1950, Drew, Ricky, Penne e Al concentraram-se em sacudir a poeira da produção não-ficcional, dominada por documentários de imagens estáticas e pomposas narrações. Para uma nova estética, uma nova base técnica.
O filme inaugural do Cinema Direto foi “Primárias” (Primary, 1960). Dirigido e sonorizado por Drew, tendo o trio Al/Ricky/Penne revezando-se na câmera, registrava com frescor inédito o embate entre John Fitzgerald Kennedy e Hubert H. Humphrey nas eleições primárias de 1960 no estado de Wisconsin pela vaga de candidato do Partido Democrata à disputa presidencial daquele ano.
Depois de três anos de intensa atividade na Drew Associates, Pennebaker apostou numa carreira solo como diretor, fundando uma produtora com Leacock. Na década seguinte, reinventou o documentário musical ao dinamizá-lo com a pegada do Cinema Direto.
Em “Dont Look Back” (1967), flagrou com inédita proximidade o fenômeno Bob Dylan na turnê londrina de 1965, ao lado de Joan Baez. “Monterey Pop” (1968) captava o auge da era hippie no festival homônimo, entre solos de Jimi Hendrix e da febril Janis Joplin. Em 1973, improvisou a partir de seu primeiro contato com David Bowie o longa-metragem “Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”.
Pennebaker confessou que estava “quebrado” quando, em 1976, recebeu em sua produtora a jovem Chris Hegedus. Iniciava-se uma parceria para o resto da vida, tanto na esfera privada quanto profissional. Uma paleta documental mais ampla impôs-se durante os mais de 40 anos de atividade da dupla, em clássicos sobre assuntos tão distintos quanto os de “Town Bloody War” (1979, feminismo), “The War Room” (1993, o marketing eleitoral) e “Kings of Pastry” (2009, culinária).
Conheci Pennebaker na mesma histórica noite de outubro de 1998 em que Betsy McLane, da IDA, conseguiu reuni-lo em Los Angeles na mesma mesa com os velhos companheiros Bob, Al e Rick. Há décadas tentava-se algo do gênero, mas as agendas e as tensões que dividiram o quarteto em meados dos anos 1960 o inviabilizaram. Testemunhei a alegria do reencontro e uma aula de história sob a forma de lembranças sobrepostas.
Para minha surpresa, fui eleito por Penne e Al para companheiro de jantar. Lembro-me sobretudo de Pennebaker falando com saudades de uma isolada viagem para um festival no Rio anos antes, no começo da década de 90. Elogiou a luz, a alegria e os “deliciosos steaks”, além de destacar o impacto da bossa nova.
Durante as duas décadas seguintes, nos reencontramos constantemente em Amsterdã, para o IDFA. Logo após os ataques terroristas de 11 de Setembro, numa gelada noite holandesa, entrevistei-o sobre o estado de espírito dos americanos e ele foi profético ao destacar a sede de sangrenta vingança emanada da Casa Branca de George W. Bush.Nosso último encontro aconteceu há pouco menos de dois anos, durante os eventos de despedida de Ally Derks da direção do IDFA. Escoltado por Chris e por sua fiel distribuidora, Jane Balfour, Penne dizia ainda procurar o tema de um novo filme. Tinha 92 anos.
Na noite seguinte, deleitou a plateia de uma projeção especial de “Primárias” recordando as peripécias ao lado de Bob, Rick e Al para captar da forma mais intimista possível a campanha de JFK. Como em seus filmes, era como se estivéssemos lá.