Por Amir Labaki
Há relativamente ao menos tantos cineastas renomados concorrendo neste ano à Palma de Ouro, o prêmio máximo oficial, quanto a O Olho de Ouro, a premiação paralela estabelecida há cinco anos para documentários, a partir da próxima terça-feira (14) no 72o Festival Internacional de Cinema de Cannes.
Na primeira lista, entre os 21 concorrentes encontram-se já vencedores da mostra francesa, como os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (O Jovem Ahmed), o francês Abdellatif Kechice (Maktoub, Meu Amor: Intermezzo), o britânico Ken Loach (Desculpe, Saudades de Você), e os americanos Quentin Tarantino (Era Uma Vez em Hollywood) e Terrence Malick (Uma Vida Escondida), e recorrentes candidatos como o francês Arnaud Desplechin (Roubaix, Uma Luz), o americano Jim Jarmusch (Os Mortos Não Morrem, o filme de abertura), o espanhol Pedro Almodóvar (Dor e Glória), o italiano Marco Bellocchio (O Traidor, uma coprodução com expressiva participação brasileira) e o canadense Xavier Dolan (Mathias e Maxime). O júri que irá escolher o vitorioso será presidido pelo cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, que acumula 4 Oscars mas curiosamente em Cannes recebeu apenas o prêmio de melhor diretor por “Babel” (2006), em suas duas participações.
Entre os documentários, espalhados pelas diversas mostras, oficiais e paralelas do festival, apresentarão suas novas obras diretores como o francês Alain Cavalier (Estar Viver e o Saber), os britânicos Asif Kapadia (Diego Maradona) e Lech Kowalski (Vamos Quebrar Tudo), a tcheca Helena Trestikova (Forman versus Forman, codirigido por Jakub Hejna), o chileno Patrício Guzmán (A Cordilheira dos Sonhos), e o alemão Werner Herzog (Family Romance LLC). A cineasta francesa Yolanda Zauberman (M) sucede Rithy Panh, Gianfranco Rosi, Sandrine Bonnaire e Emmanuel Finkiel na presidência do júri de O Olho de Ouro.
Renome apenas não ganha festival, felizmente. Mas seria ingênuo negar que insistência pode contar. Este fator pesa pouco para o jovem prêmio de documentários. Contudo, ao menos dois fiéis concorrentes à Palma de Ouro nas últimas três décadas voltam à disputam. Bellocchio a tenta pela sétima vez e Almodóvar pela sexta.
Coproduzido pela Gullane Filmes e tendo Maria Fernanda Cândido entre as protagonistas, “O Traidor” reconstitui a saga do líder mafioso Tommaso Buscetta (1928-2000), que abriu a boca e colaborou com a justiça italiana após ser preso no Brasil em 1983. Por sua vez, “Dor e Glória” é o mais autobiográfico dos filmes de Almodóvar, retomando a antiga parceria com Antonio Banderas para viver seu alter-ego, o cineasta Salvador Mallo. O foco num artista auto-reflexivo por certo é música para Iñárruti, diretor lembremos de “Birdman” (2014), mas a cindida reação da crítica espanhola frente ao filme, quando de sua estréia nacional em março passado, não aconselha apostar cegamente em seu favoritismo para a Palma de 2019.
Um triunfo a saudar logo é a expressiva participação brasileira no festival deste ano, especialmente diante do conturbado cenário que virtualmente paralisa a atividade cinematográfica no país. Mais que a quantidade (7 produções e coproduções em diversas mostras), o mais significativo é a qualidade da representação, com novos longas de cineastas brasileiros participando das três principais competições de Cannes.
Além da participação no filme de Bellocchio, o cinema brasileiro disputa a Palma de Ouro com o retorno à competição de Kleber Mendonça Filho (Aquarius) com “Bacurau”, codirigido por Juliano Dornelles. Karim Aïnouz (Madame Satã) retorna a Cannes disputando o ciclo Um Certo Olhar com “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”. Já a Quinzena dos Realizadores selecionou “Sem Seu Sangue”, a estreia em longas-metragens de Alice Furtado.
Um documentário nacional, “Indianara” de Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa, sobre uma militante da causa trans, foi também selecionado para o ciclo paralelo da ACID, uma associação francesa de cineastas independentes. Por fim, além do filme de Aïnouz, a RT Features de Rodrigo Teixeira participa como coprodutora de dois outros títulos selecionados: ““Autoridade Portuária”, da americana Danielle Lessovitz, em Um Certo Olhar, e, na Quinzena dos Realizadores, “O Farol”, de Robert Eggers.
Raramente a produção brasileira conquistou visibilidade similar no festival de Cannes. A pergunta que não quer calar é se haverá, aqui, bom senso para preservar-lhe os fundamentos.