Por Amir Labaki
O
Oscar já mudou, antes mesmo da entrega dos prêmios em sua 91a cerimônia
de entrega neste domingo. Tampouco surpresas devem faltar, dado o
equilíbrio em muitas categorias, incluindo a principal, como apontado
pela divisão de preferências nas distinções específicas das associações
por ofício (atores, diretores, produtores etc.).
O
Screen Actors Guild (SAG) ficou com “Pantera Negra”, de Ryan Coogler, o
Directors Guild of America (DGA) preferiu Alfonso Cuarón por “Roma”, o
Producers Guild of America (PGA) escolheu “Green Book – O Guia”, de
Peter Farrelly. Em número de indicações pela Academia de Artes e
Ciências Cinematográficas de Hollywood, com dez cada, lideram “Roma” e
“A Favorita”, do grego Yorgos Lanthimos.
A
diversidade étnica e nacional do conjunto de indicados reflete
positivamente as mudanças estruturais colocadas em prática pela Academia
nos últimos anos quanto à origem de seus membros. Esta luta por
legitimidade e relevância não escapou neste ano de tropeços. Felizmente,
depois de críticas veementes, voltou-se atrás tanto na proposta de um
Oscar para melhor filme popular quanto na de exclusão da transmissão
televisiva de algumas categorias técnicas. Quem se move, se expõe a
erros. Melhor a dinâmica do que a paralisia nostálgica.
Várias
distinções inéditas estão em pauta. O mexicano “Roma” pode ser o
primeiro filme a acumular as vitórias de melhor filme e melhor filme
estrangeiro. Poderia ser ainda a primeira produção bancada por uma
distribuidora em streaming (Netflix) a triunfar na categoria principal.
Em sua inacreditável primeira indicação atrás das câmeras, Spike Lee
pode finalmente tornar-se o primeiro diretor afro-americano a receber o
Oscar da categoria, por “Infiltrado no Klan”. Nunca é demais lembrar
que, em mais de nove décadas, apenas quatro cineastas negros o
precederam na disputa: Lee Daniels (Preciosa), Steve McQueen (12 Anos de
Escravidão), Barry Jenkins (Moonlight – Sob a Luz do Luar) e Jordan
Peele (Corra) –e todos na última década.
A
inclusão de Spike Lee forma na lista de maior latitude internacional de
diretores indicados na história do prêmio. Os únicos norte-americanos
são Lee e Adam McCay (Vice, que muito me alegraria ver confirmado como
um dos azarões da noite), em disputa com o mexicano Alfonso Cuarón (o
favorito, reconheça-se), o polonês Pawel Pawlikowski (do dilacerante
“Cold War – Guerra Fria”, que não mereceria sair de mãos abanando) e o
grego Lanthimos (do pândego drama histórico “A Favorita”, talvez seu
melhor filme).
A
competição entre os atores parece concentrada na guerra antes
prostética do que estética entre Rami Malek por “Bohemian Rhapsody” e
Christian Bale por “Vice”. Bradley Cooper (Nasce Uma Estrela) e Viggo
Mortensen (Green Book) correm por fora, com mínimas chances, e Willem
Dafoe, como o Van Gogh em “No Portal da Eternidade”, apenas completando a
lista.Mais sutil e equilibrado é o embate entre as atrizes. A briga
aqui é entre Glenn Close, como o verdadeiro talento por trás do escritor
Prêmio Nobel de “A Esposa”, e a britânica Olívia Colman, pela lésbica
rainha Anna de “A Favorita”. São performances brilhantes em acentos
polares. Deve valer a infeliz tradição da Academia de compensar por
obras menores intérpretes tradicionalmente esnobados como Close.
Talvez
em nenhuma outra categoria a reformulação da Academia esteja
apresentando resultados mais louváveis do que na competição pelo Oscar
de melhor documentário de longa-metragem. Pelo terceiro ano consecutivo,
é robusta e estilisticamente variada a lista de cinco finalistas, mesmo
discordando quanto a algumas exclusões (Três Estranhos Idênticos”, de
Tim Wardle, à frente).
Competem
um thriller esportivo (Free Solo), um ensaio sobre o belo e o frágil no
Sul profundo (No Interior. Do Alabama: A Vida em Hale County), um
retrato geracional de skatistas (De Olho Na Fresta), uma incursão pelo
cotidiano do radicalismo islâmico (Of Fathers and Sons) e a biografia de
uma heroína da justiça norte-americana (RBG). A vitória pende entre os
dois primeiros, tendo “Hale County” acabado de estrear no canal por
streaming Philos TV e “Free Solo” debutando apenas em 9 de março na grade do National Geographic.
Contas
feitas, apesar da arriscada escolha por uma cerimônia sem um
apresentador fixo, eis uma entrega do Oscar a assistir. É de saída
ousada e potencialmente histórica. Raramente, bem sabemos, tem sido
assim.