Por Amir Labaki
As novas gerações desconheceriam de todo o grande Albert Finney (1936-2019), morto no último dia 7, não fossem suas participações como coadjuvante na penúltima aventura de James Bond, “007 – Operação Skyfall” (2012), ou como o doutor Hirsch de dois dos filmes da franquia Jason Bourne (O Ultimo Bourne, 2007, e O Legado Bourne, 2012). Os mais atentos jovens espectadores podem tê-lo resgatado como o Hercule Poirot da primeira e superior versão de “Assassinato no Oriente Express” (1974), de Sidney Lumet, refilmado em 2017 por Kenneth Branagh, reservando-se o mesmo papel do detetive belga criado por Agatha Christie. E só os mais sensíveis o terão reconhecido como o Ed Bloom quando velho em “Peixe Grande e Suas Histórias” (2003), o drama mais delicado e a obra mais heterodoxa da filmografia gótica de Tim Burton.
Mas Albert Finney foi dos maiores intérpretes cinematográficos do último meio século e dos mais influentes no estabelecimento de um novo padrão de masculinidade nas telas, mais frágil, falível e anti-heróica, desde que explodiu como um dos “angry young men” do novo cinema britânico dos anos 60. Em “Tudo Começou Num Sábado” (Saturday Night, Sunday Morning, 1963), de Karel Reisz, Finney injetava um raro equilíbrio entre rudeza e ternura no jovem operário Arthur, dividido entre dois amores e torturado por uma gravidez não-planejada.
De origem modesta e sem ascendência artística familiar, Finney se formou nos palcos, aos quais se dedicava já desde os tempos dos bancos escolares. Seu magnetismo chamou a atenção mesmo durante seus estudos em Londres na exclusiva Royal Academy of Dramatic Arts (RADA), na qual foi contemporâneo de Peter O’Toole (1932-2013) e Sir Tom Courtenay (45 Anos, 2015), cujos passos voltaria a cruzar durante suas carreiras cinematográficas.
Courtenay e ele arrebataram indicações ao Oscar de melhor ator ao contracenarem em 1983 em “O Fiel Camareiro”, a adaptação dirigida por Peter Yates da peça metateatral de Ronald Harwood. Já O’Toole herdou-lhe o papel título em “Lawrence Da Arábia” (1962), de David Lean -e o resto é história.
Foi como de hábito Kenneth Tynan (1927-1980), o maior crítico teatral britânico do século 20, que o sacou antes que todo mundo. Ao vê-lo ainda numa montagem como estudante, definiu-o como “um latente Spencer Tracy (...) que vai logo perturbar os sonhos dos senhores (Richard) Burton e (Paul) Scofield”. Tynan antevia o destino de Finney: o cinema e personagens contemporâneos.
Na metade final dos anos 1950 e começo dos 60, Finney consagrou-se no teatro britânico, cumpriu a ciranda de protagonistas shakespearianos e conquistou o epíteto de “o novo (Laurence) Olivier”. Não por coincidência, estreou nas telas em 1960 como coadjuvante de Olivier na versão fílmica de “The Entertainer” (aqui, Vida de Solteiro), dirigida por Tony Richardson a partir de um dos textos causticamente realistas com que John Osborne (1929-1994) sacudia a poeira do West End londrino.
Três anos mais tarde, Richardson, Osborne e Finney repetiriam a colaboração, agora numa dionisíaca adaptação literária do clássico de Henry Fielding (1707-1754) “As Aventuras de Tom Jones”. Os dois primeiros conquistariam o Oscar, assim como o filme, num total de 10 indicações. Finney, também indicado, perderia a estatueta (a primeira das cinco vezes em que seria lembrado pela Academia), mas fez fama e fortuna, assumindo de vez as rédeas de sua carreira.
Após o furacão “Tom Jones”, Finney concedeu-se um ano sabático para rodar o mundo, voltando ao trabalho com ênfase nas telas, com idas e vindas aos palcos londrinos até meados dos anos 90. Fez o que quis, não apenas grandes filmes, mas foi um gigante em ao menos meia dúzia deles.
Entre meus favoritos, ele devassou as alegrias e as dores do amor em diferentes momentos da vida: a juventude, ao lado de Audrey Hepburn em “Um Caminho para Dois” (1967) de Stanley Donen, e a maturidade, com Diane Keaton em “A Chama Que Não Se Apaga” (1982) de Alan Parker. Nenhum outro filme talvez escore-se tanto em seu talento quanto “À Sombra do Vulcão” (1984), extraído por John Huston do romance de Malcolm Lowry sobre um cônsul alcóolatra no México. E, sob a direção de Richard Loncraine, Finney compôs um impecável Churchill semi-aposentado, entre as duas guerras mundiais, no telefilme “O Homem Que Mudou o Mundo” (The Gathering Storm, 2002).
No outro final de semana, as homenagens póstumas tradicionais da festa do Oscar devem celebrá-lo, depois de a Academia o esnobar por mais de 60 anos. O “bon vivant” Albert Finney, que jamais suportou a cerimônia, não daria a mínima. Seu triunfo gozou-o em vida e preservou-o na memória do que tivemos o privilégio de admirá-lo.