Por Amir Labaki
A 76ª edição do Globo de Ouro inaugura neste domingo a temporada audiovisual de 2019. A entrega do prêmio da Associação dos Correspondentes Estrangeiros em Hollywood acontece estudadamente na véspera da abertura, na segunda (7), do processo de votação para as indicações para o Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
A premiação abrangendo tanto cinema quanto TV (no sentido amplo, dado o predomínio das plataformas por streaming) e sua divisão, ainda que pouco ortodoxa especialmente neste ano, entre dramas, num grupo, e comédias e musicais, noutro, abranda-lhe o impacto. De todo modo, o Globo de Ouro tem prestígio próprio e funciona como um termômetro das preferências do ano, ao lado das mais significativas premiações das associações profissionais (atores, diretores, fotógrafos, roteiristas etc).
Concorrendo entre as comédias e musicais, a sátira política “Vice”, de Adam McCay (A Grande Aposta), emplacou indicações em seis categorias e se posicionou no topo dos concorrentes entre os filmes. É seguido, com cinco indicações cada, por “Nasce Uma Estrela”, de Bradley Cooper, um musical polemicamente incluído entre os dramas, ao lado das comédias “A Favorita”, do grego Yorgos Lanthimos (O Lagosta), curiosamente barrado da disputa de melhor diretor, e “Green Book: O Guia”, de Peter Farrelly (Quem Vai Ficar com Mary?, codireção de seu irmão Bobby).
A exclusão nas categorias principais de um dos favoritos do ano, “Roma” do mexicano Alfonso Cuarón, indicado a melhor filme estrangeiro, direção e roteiro, turva significativamente qualquer interpretação no que tange à disputa do Oscar de melhor filme. Entre os dramas, “Nasce Uma Estrela” desponta com o vencedor mais provável, enquanto “Vice” deve levar o prêmio entre comédias e musicais. Escorado por uma sólida preferência na indicação pelo Sindicato dos Atores (SAG), a refilmagem do clássico musical hollywoodiano sobre a reversão de prestígio profissional num casal do show business surge como principal concorrente ao drama autobiográfico de Cuarón na disputa da Academia.
Se em cinema o Globo de Ouro deve consagrar o mais do mesmo, a competição televisiva sinaliza novos tempos. Como Luciana Coelho destacou na “Folha”, as grandes emissoras tradicionais (ABC, CBS, NBC) quase sumiram do mapa, instalando-se um novo epicentro criativo nas plataformas de streaming (Amazon Prime Video, Hulu, Netflix), já lado a lado com os canais por assinatura (FX, HBO, Showtime). A telessérie líder em indicações (4) é “American Crime Story: The Assassination of Gianni Versace” (FX), já vencedora do Emmy de minissérie em setembro passado.
Entre as séries dramáticas, o maior número de indicações (3) pertence à novata “Killing Eve” (BBC America, Globoplay no Brasil), desenvolvida por Phoebe Waller-Bridge a partir dos thrillers de Luke Jennings. Sua principal competidora é a magnífica temporada final de “The Americans” (FX), de Joseph Weisberg, com desempenhos inesquecíveis de Keri Russell e Matthew Rhys como um casal de espiões russos submerso no cotidiano americano dos anos finais da Guerra Fria. Celebrado no último Emmy com distinções para Rhys e para o roteiro do episódio final, jamais sequer indicado antes pelo Globo de Ouro, é a derradeira chance de lhe fazer justiça.
O universo dos pequenos espetáculos aproxima as duas séries cômicas ou musicais que lideram a disputa na categoria, concorrendo a três prêmios. Em “Barry” (HBO), Bill Hader (ex-Saturday Night Live) interpreta um matador que se apaixona por teatro, enquanto em “A Maravilhosa Mrs. Maisel” (Amazon) Rachel Brosnahan (House of Cards) vive uma jovem dona de casa que abraça a comédia stand-up ao ser abandonada pelo marido.
Duas histórias de retorno aos holofotes reafirmaram o ponto fraco da imprensa estrangeira em Hollywood pelo carisma de velhos astros. Em “O Método Kominsky” (Netflix), do veterano mago Chuck Lorre (Roseanne; Dois Homens e Meio), Michael Douglas dá a volta por cima como um professor de teatro que encontra em seu velho agente (Alan Arkin) o ponto de apoio para os sinais da idade. Já Jim Carrey (Showtime) volta à ativa em “Kidding” como uma animador de programas infantis de TV.
Acentuando a aura nostálgica tão cara à cerimônia, o Globo de Ouro criou um novo prêmio especial para a carreira, agora dedicado a contribuições à televisão, para somar-se ao homólogo cinematográfico, o Prêmio Cecil B. De Mille, atribuído neste ano ao ator Jeff Bridges (O Grande Lebowski). Batizado de Prêmio Carol Burnett, nada mais natural do que o entregar à própria, aos 85 anos uma das raras sobreviventes da era pioneira da comédia televisiva. Já detentora de 5 Globos de Ouro (a recordista entre os talentos da TV, todos pelo The Carol Burnett Show na CBS), não surpreenderá ninguém se mais uma vez roubar a noite.