Por Amir Labaki
Uma safra poderosa de documentários os torna majoritários entre os 32 títulos selecionados para o 22o Festival
de Cinema Judaico de São Paulo, sediado em três salas (Hebraica, MIS e
Sesc Bom Retiro) entre este domingo (5) e o próximo dia 15. Dois dos
destaques não-ficcionais são produções brasileiras: “Lila”, tocante
biografia da nonagenária Liliana Sirkis (nascida Binensztok), dirigido
por seu filho, o líder ecologista Alfredo Sirkis, e por Sílvio Da-rin,
que chega à tela grande após a estreia televisiva na sessão É Tudo
Verdade no Canal Brasil, e “Entebbe”, de Ary Diesendruck e Renato
Sacerdote, sobre dois reféns brasileiros resgatados, ao lado de mais de
uma centena de vítimas, por forças contra-terroristas israelenses em
Uganda em 1976, após o sequestro de um avião da Air France por radicais
palestinos e alemães.
Quatro das principais
atrações entre os documentários internacionais retratam a força da
cultura judaica em distintas artes, estando o próprio cinema ao centro
de dois deles. Premiado no festival de Veneza no ano passado, “O
Príncipe e o Dybbuk”, de Elwira Niewiera e Piotr Rosolowski, lança luz
sobre a misteriosa trajetória do judeu ucraniano Moshe Waks (1904-1965),
de longa e marcante carreira cinematográfica pela Europa quando já
rebatizado príncipe Michal Waszynski, sobretudo como diretor do pioneiro
clássico iídiche “O Dybbuk” (1937) e produtor associado de épicos como
“A Queda do Império Romano” (1964).
Por sua vez, “Bombshell: A
História de Hedy Lamarr”, de Alexandra Dean, mostra como a deslumbrante
musa hollywoodiana de “Argélia” (1938) e “Sansão e Dalila” (1949)
desafiou os estereótipos provando-se também uma inventora de primeira
ordem. Já os protagonistas dos documentários musicais irmanam-se em seus
poderes de superação.
Em “Itzhak”, Alison Chernick
reconstitui como Itzhak Perlman venceu as sequelas de uma poliomielite
infantil para se tornar um dos grandes gênios do violino. Exibido na
competição do É Tudo Verdade deste ano, “Sammy Davis Jr. – Eu Tenho Que
Ser Eu”, de Sam Pollard, reconstitui a vida de um dos maiores astros
negros dos EUA, do talento precoce para cantar e dançar à camaradagem no
“Rat Pack” com Frank Sinatra e Dean Martin, do corajoso combate ao
preconceito racial à sua conversão ao judaísmo.
Escritores e intelectuais
estão ao centro de “Israel – História dos Dias Atuais” mas o foco é
social antes que biográfico. William Karel e Blanche Finger entrevistam
mestres das letras como Amós Oz, Avraham B. Yehoshua e David Grossman
para um balanço histórico de setenta anos do Estado israelense.
É marcante o tom melancólico
frente à frustração entre uma generosa utopia socialista e pacífica de
origem e sua negação absoluta pela liderança reacionária e militarista
de Benjamim Netanyahu nas duas últimas décadas. A coluna de José Eduardo
Agualusa no Globo de sábado passado, “Os Livros Que (Ainda) Salvam
Israel”, é quase um (involuntário) trailer por escrito do breve mas
contundente filme de Karel e Finger.
Mas se há um título
obrigatório na antenada seleção feita pela diretora artística Daniela
Wasserstein, este é “Os Diários de Oslo”, de Mor Loushy e Daniel Sivan.
Lançado no último Sundance Film Festival, é uma minuciosa e
desesperadora autópsia do último esforço conjunto de israelenses e
palestinos para alcançar a paz.
A partir sobretudo de
filmagens inéditas da época, gravações televisivas, novas entrevistas e
acesso a diários de lideranças dos dois lados, Loushy e Sivan refazem
passo a passo das negociações inicialmente sigilosas em Oslo, na
Noruega, em 1992, entre representantes do governo trabalhista de Yitzhak
Rabin (1922-1995) e da OLP (Organização para a Libertação da Palestina)
de Yasser Arafat (1929-2004).
Tudo começou com dois
historiadores israelenses de um lado e três homens de Arafat do outro.
Resistências viscerais de parte à parte foram superadas, alcançando-se
dois acordos de inédito reconhecimento e concessões mútuas, publicamente
firmados na Casa Branca, em 1993 e 1995, sob a benção do então
presidente americano, Bill Clinton.
“Os Diários de Oslo”
demonstra como radicais tanto do lado israelense (Netanyahu) quanto do
palestino (Hamas) minaram o desenvolvimento das conversas e torpedearam a
implementação de qualquer acordo. Em novembro de 1995, ainda
primeiro-ministro, Rabin foi assassinado por um radical da direita
israelense contrário às negociações, Yigal Amir. A pá de cal definitiva
na sobrevida de uma paz pactuada veio com a eleição em junho de 1996 de
Netanyahu para seu primeiro mandato (1996-1999), tragicamente renovado
desde 2009.
Os letreiros finais informam
que mais de 16 mil israelenses e palestinos morreram em consequência do
conflito desde o colapso das negociações em 1996. A amizade
desenvolvida naqueles mil dias de esperança entre os negociadores Uri
Savir e Abu Ala é a prova de que não precisava ser assim. Não há
qualquer sinal de que veremos esta contagem parar.