Por Amir Labaki
Pelo quarto ano consecutivo, o Festival de
Cannes concede, em parceria com La Scam e o INA, o Olho de Ouro, um prêmio para
o melhor documentário exibido no conjunto de todas suas mostras, sejam as
oficiais como as paralelas. O júri deste ano é presidido pelo cineasta francês
Emmanuel Finkiel, contando ainda com a documentarista britânica Kim Longinotto,
o diretor do festival True/False dos EUA, Paul Sturtz, a crítica de cinema
francesa Isabelle Danel e a atriz francesa Lolita Chammah.
Um único filme concorre simultaneamente à
Palma de Ouro e ao Olho de Ouro: “O Livro da Imagem”, de Jean-Luc Godard. No
total, 17 títulos participam da disputa não-ficcional, sendo 15
longas-metragens e apenas 2 curtas. O vencedor do ano passado, dentre um número
um pouco maior de concorrentes (20), foi nada menos que “Visages, Villages”, de
Agnès Varda e JR.
As representações mais expressivas se
encontram nos títulos oficiais selecionados para projeções como Sessão Especial
e na ciclo de documentários sobre cinema que faz parte de Cannes Classics. No
primeiro grupo, encontra-se o provável grande favorito ao prêmio nesta edição.
Com “Almas Mortas”, o diretor chinês Wang
Bing volta às narrativas de curva longa como o filme que o revelou ao mundo, “A
Oeste dos Trilhos” (2003). Não repete as mais de 9 horas de então, mas chega
perto. Com 8 horas e 16 minutos, “Almas Mortas” se estrutura a partir de
depoimentos dos sobreviventes dos campos de trabalhos forçados na China de Mao
dos anos 1950.
Outro episódio de repressão autoritária no
século 20 é reconstituído em “O Estado Contra Mandela e Os Outros”, dos
franceses Nicolas Champeaux e Gilles Porte. Marcando o centenário de nascimento
do líder sul-africano, o filme radiografa os nove meses de processo, entre 1963
e 1964, que o condenou, ao lado de sete outros co-réus, à prisão perpétua.
Outra efeméride, o cinquentenário das
revoltas de maio de 1968 na França, pauta “A Travessia”, dirigido por Romain
Goupil. Se você viu “No Intenso Agora”, de João Moreira Salles, por certo se
lembra da bela homenagem que presta à principal obra do bissexto cineasta
francês, “Morrer Aos Trinta Anos” (1982). Goupil assina agora um “road movie”
em que investiga, ao lado do amigo e colega de barricadas parisienses Daniel
Cohn-Bendit, a França contemporânea.
Uma das grandes crises do país nesta
década, relacionada ao impacto da maior onda de refugiados na Europa desde o
pós-Segunda Guerra, é analisada pelo francês Michel Toesca em “Livre”. Em seu
quinto longa-metragem, Toesca examina um caso específico: o da tensa acolhida
dos imigrantes por moradores no vale de La Roya, próximo à fronteira
franco-italiana.
Quatro anos depois de ter levado um prêmio
especial na mostra Um Certo Olhar com seu retrato do fotógrafo brasileiro
Sebastião Salgado (O Sal da Terra, 2014), Wim Wenders volta a Cannes
focalizando outro personagem planetário de origem sul-americana, com “Papa
Francisco – Um Homem de Palavra”.
Nada menos que cinco dos concorrentes ao
Olho de Ouro estreiam em Cannes Classics. Dois fazem parte das celebrações
oficiais do centenário de Ingmar Bergman (1918-2007): “Bergman – Um Ano Numa
Vida”, de Jane Magnussen, sobre o tumultuado e profícuo cotidiano profissional
do diretor em 1957 (nada menos que o de “O Sétimo Selo” e “Morangos
Silvestres”), e “À Procura de Ingmar Bergman”, da cineasta alemã Margarethe von
Trotta.
Dois retratos feministas aportam dos EUA:
“Seja Natural: A História Não-Contada
de Alice Guy-Blaché”, de Pamela B. Green, sobre uma das primeiras cineastas da
história, e “Jane Fonda em Cinco Atos”, por Susan Lacy. Já o prolífico
documentarista irlandês Mark Cousins, da monumental série “A História do
Cinema: Uma Odisséia” (2011), revisita o legado de um de seus ídolos em
“Os Olhos de Orson Welles”, com inédita ênfase na produção gráfica e pictórica dele.
Co-autor com Cousins de uma obrigatória
antologia sobre o cinema documental (“Imagining Reality”, Faber & Faber), o
escocês Kevin Macdonald participa da disputa com “Whitney”, sua biografia da
cantora americana precocemente falecida em 2012, selecionada como “Hors
Concours” no programa oficial. Programado para as projeções na praia, “O Grande
Baile” de Laëticia Carton fecha o foco sobre sete dias e noites de dança
ininterrupta todo mês de julho em Borbobês, no centro da França.
A lista de longas-metragens encerra-se com
dois títulos participantes de mostras paralelas. Na Quinzena dos Realizadores,
o italiano Stefano Savona apresenta “Estrada de Samouni”, sobre a violência
contra uma família de pequenos agricultores que vive na zona rural de Gaza. Já
na Semana da Crítica encontra-se o mais heterodoxo dos concorrentes: a animação
documental “Chris, O Suiço”, em que Anja Kofmel revisita a morte de seu
tio jornalista durante a cobertura da guerra civil iugoslava dos anos 1990.
Animação e ensaio, cinema direto e de
entrevistas, biografias históricas e retratos captados no calor da hora,
panoramas sociais e casos políticos, variedade é o que não falta para o júri de
Finkiel. Tomara faça a coisa certa.