Nosso filme da semana é “O Fio da Memória”,
de 1991, o segundo documentário de longa-metragem de Eduardo Coutinho.
Realizado após a consagração com “Cabra
Marcado para Morrer”, “O Fio da Memória” é um filme de encomenda sobre o
centenário da abolição da escravidão no Brasil, completado em 1988. De todas as
produções de Coutinho, talvez tenha sido esta a mais farta em recursos. Combina
investimentos principalmente da Funarj, origem do projeto, e da Embrafilme,
entre as fontes nacionais, e de três TVs europeias, além do Hubert Bals Fund do
festival de Roterdã.
O resultado foi um fracasso, que abalou por
quase uma década a vida e a obra de Coutinho. Sequer lançado comercialmente nos
cinemas brasileiros, o documentário fez sua estreia em São Paulo em quatro
sessões no Museu da Imagem e do Som em agosto de 1993. Como seu diretor, foi
quando conheci Coutinho. Referindo-se ao filme como “um troço”, não deixava
dúvidas sobre seu descontentamento.
Passado um quarto de século, “O Fio da
Memória” permanece sua obra menos conhecida. Tem hoje o fascínio dos
grandes filmes fracassados. Coutinho era o menos adequado documentarista para o
projeto, como confirmaria o resto da sua carreira.
Nada menos “coutiniano” do que um filme de
encomenda com compromissos didáticos sobre um tema nobre e genérico. Ele
fez o possível para seguir o desconfortável modelo histórico-sociológico, ao mesmo
tempo que resguardava algum espaço de respiração para o cinema que lhe
interessava.
Como em “Cabra”, dois narradores se
alternam: Ferreira Gullar mais uma vez apresenta o texto explicativo, cabendo a
Milton Gonçalves interpretar os escritos e falas do personagem central, Gabriel
Joaquim dos Santos, um filho de escravos falecido no Rio em 1985 que teve a
trajetória documentada por Amélia Zaluar.
Gullar cuida da encomenda, discorrendo
sobre a história da escravidão e apresentando parte da rica herança
afro-brasileira, como o samba e o candomblé, a umbanda e o Carnaval,
trabalhados em esquetes rodados em várias partes do estado do Rio entre 1987 e
1989. A Gonçalves coube o que realmente interessava a Coutinho: a personalidade
de Gabriel, que encheu cadernos com “fatos do cotidiano, da história da região
e da história do Brasil” e esculpia sua Casa da Flor.
Se essa narrativa do individuo se
desenvolve sem sobressaltos, a histórico-sociológica é aqui e ali implodida. Um
irreconhecível Coutinho começa perguntando generalidades em “off”, de “como foi
a abolição?” a um filho de escravos a “quem foi Zumbi?” a um grupo de
estudantes. Aos poucos, as entrevistas rareiam e vão se tornando mais
específicas e pessoais, como que tateando o método que se consolidaria a partir
de “Santo Forte”, em 1999.
Surgem então dois momentos iluminados. No
primeiro, dona Ercy, uma filha de baiana que se casou com o neto do poeta Cruz
e Souza, inaugura no cinema de Coutinho a personagem que complementa a
entrevista com um canto. No segundo, como destacou o co-produtor do filme
Eduardo Escorel, o quase octagenário Aniceto da Império Serrano desconcerta
Coutinho ao assumir as rédeas da conversa, o encher de perguntas e acabar por
etiquetá-lo: “o senhor é inocente demais”. As raízes do melhor cinema futuro de
Eduardo Coutinho se agarram ai.
Todas as segundas-feiras às 22h, com reapresentação às 13h30 das quartas-feiras e às 18h dos domingos.
Sky – canal 55
Claro TV – canal 67
Net - canal 150
Vivo TV – canal 79 (cabo) canal 566 (DTH)
Oi TV – canal 66
GVT – canal 103
Curadoria, Apresentação e Direção Geral: Amir Labaki
Produção Executiva: Mônica Guimarães
Assistentes de produção: Ana Paula Almeida e Tetê Andriolli
Fotografia: Erick Mammoccio
Técnico de Som: Leandro Alves
Edição: Beatriz Domingos
Direção: Kiko Mollica
Gravado no Reserva Cultural
Realização: É Tudo Verdade e Canal Brasil