Por Amir Labaki
Assim que se encerrar o
reinado de Momo, na quinta, dia 15, a animação “Ilha de Cachorros”, do
americano Wes Anderson, dá a largada para a 68a edição do
Festival de Cinema de Berlim. Será um evento de transição. Em novembro
passado, o diretor do festival, Dieter Kosslick, anunciou oficialmente
que passará o bastão, a um sucessor ainda indefinido, em maio de 2019.
Kosslick terá completado
então18 anos no posto, com 70 de idade, sendo assim o terceiro mais
longevo condutor da Berlinale. Superaram-no apenas os 25 anos à frente
do festival de seu fundador em 1951, Alfred Bauer (1911-1986), e os 22
anos do suíço Moritz de Hadeln, a quem Kosslick sucedeu em maio de
2001.
Bauer triunfou ao
estabelecer um dos três mais prestigiados eventos cinematográficos
anuais numa ex-capital dividida -e conturbada- pelas pressões da Guerra
Fria. De Hadeln consolidou o prestígio do festival, tornando-o pioneiro
na abertura para as cinematografias do Leste europeu e da então URSS e
para a histórica “quinta geração” do cinema chinês (Chen Kaige, Tian
Zhuangzhuang e Zhang Yimou, entre outros), além de ter pilotado com
habilidade sua extensão para a cidade reunificada a partir de 1990, com o
fim da divisão entre as duas Alemanhas.
Num balanço antecipado,
deve-se creditar a Kosslick a expansão do programa da Berlinale neste
início de século 21. Sua curadoria estabeleceu mostras paralelas
dedicadas a clássicos restaurados, às séries de TV, ao cinema para
jovens (Geração), a filmes ligados à culinária e a produções nativas e
indígenas. Seguindo os passos do Festival de Cannes, estabeleceu no ano
passado uma premiação específica para documentários (Glashütte Original)
e neste ano um novo prêmio para diretores estreantes.
Kosslick investiu ainda na
formação de novos cineastas, com o Berlinale Campus, no apoio à produção
e distribuição de obras de cinematografias periféricas, por meio do
World Cinema Fund, e no estímulo às adaptações literárias, por meio do
encontro “Livros na Berlinale”, em parceria com a Feira do Livro de
Frankfurt. Nada mau.
Este fortalecimento da
Berlinale não parece, contudo, traduzir-se numa competição mais robusta
ao Urso de Ouro em sua penúltima curadoria. Entre os 18 títulos em
concurso, menos de metade são dirigidos por cineastas de inequívoco
reconhecimento: os alemães Christian Petzold e Philip Gröning, os
americanos Gus van Sant e Wes Anderson, o filipino Lav Diaz, os
franceses Benoît Jacquot e Cédric Kahn, e o russo Alexei German Jr.
Cinco filmes completam como “hors concours” esta lista premium do
programa oficial, destacando-se “Unsane”, de Steven Soderbergh, e
“Operação Entebbe”, um coprodução americano-britânica dirigida pelo
brasileiro José Padilha.
O Brasil participa ainda
como coprodutor de um dos concorrentes ao Urso de Ouro, “As Herdeiras”,
do cineasta paraguaio Marcelo Martinessi. No total, doze filmes ou
coproduções brasileiras participarão da Berlinale 2018, repetindo a
expressiva marca do ano passado. Desta vez, a ênfase desloca-se para os
documentários.
Quatro obras não-ficcionais
de cineastas brasileiros foram selecionados para o ciclo Panorama
Documento. Rodado em Berlim, “Aeroporto Central THF”, de Karim Aïnouz,
radiografa a transformação do antigo terminal aéreo de Tempelhof no
maior centro de refugiados na Alemanha. Voltando ao festival agora como
diretor, Luis Bolognesi retrata em “Ex-Pajé” um índio Paiter Suruí que
teve sua liderança espiritual atropelada com a expansão evangélica por
sua aldeia.
Por sua vez, “Bixa
Travesty”, de Cláudia Priscila e Kiko Goifman, traça o perfil da cantora
transexual Linn da Quebrada. Os bastidores do impeachment da presidente
Dilma Roussef, em 2016, fazem “O Processo”, de Maria Augusta Ramos. Já a
mostra paralela Fórum selecionou “Eu Sou o Rio”, de Gabraz Sanna e Anne
Santos, um retrato do músico e artista plástico carioca Tantão. Destes
cinco, “Aeroporto Central THF” e “Ex-Pajé” estão entre os 18 títulos
pré-selecionados para concorrer à segunda edição do prêmio berlinense
para documentários, ao lado de novas obras de Sergei Loznitsa, Claire
Simon e Fernando Solanas, entre outros.
Dois longas ficcionais
brasileiros participam ainda de ciclos paralelos: “Tinta Bruta”, de
Márcio Reolon e Filipe Matzembacher, do Panorama, e “Unicórnio”, de
Eduardo Nunes, da mostra Geração. Três curtas foram selecionados para a
competição do formato: “Alma Bandida”, de Marco Antônio Pereira;
“Terremoto Santo”, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca; e a coprodução
luso-brasileira “Russa”, de João Salaviza e Ricardo Alves Jr.
Diante da ascensão da
extrema-direita por meio da Alternativa para a Alemanha e da turbulenta
recondução ao posto da chanceler Angela Merkel, nada mais certeiro do
que dedicar a retrospectiva do ano à produção do instável período
pré-nazista. Em 28 programas, reunindo títulos realizados entre 1918 e
1933, “O Cinema de Weimar Revisitado” reúne um espectro amplo de filmes
“incrivelmente frescos e atuais”, segundo Kosslick. Que sirvam de
alerta.