Por Amir Labaki
“Amal”, do cineasta egípcio Mohamed Siam, abre na próxima quarta, dia 15, a 30a edição do IDFA, o Festival Internacional de Documentários de Amsterdã. O evento deste ano será uma celebração e uma despedida.
Por um lado, comemoram-se os trinta anos do festival, surgido em 1988 para tornar-se em pouco tempo a Cannes dos documentários. Por outro, é o adeus como diretora geral de Ally Derks, fundadora do IDFA e um dos dínamos da valorização contemporânea do gênero pelo mundo afora. Já nesta edição, a curadoria do festival cabe interinamente à artista visual holandesa Barbara Visser, estando aberta uma chamada internacional de candidatos à sucessão.
A força do legado de Ally se faz sentir tanto pelo crescimento do festival, que testemunhei em 2/3 de suas edições e por nove anos como membro de seu “board”, quanto pelo reposicionamento do documentário no cenário audiovisual planetário nestas três décadas. Além de desenvolver iniciativas paralelas na área da indústria e mercado, como o Fórum e o Docs for Sale, de incentivo, como o Fundo Bertha para projetos de cinematografias subdesenvolvidas, e de formação, como a IDFAcademy, o evento apresenta neste ano 9 mostras competitivas e uma dezena de seções informativas.
Como uma embaixadora dos documentários, Ally rodou o mundo estimulando a expansão da rede internacional de festivais exclusivamente dedicados à produção não-ficcional, incluindo visitas regulares ao É Tudo Verdade desde nossa edição inaugural. Quando na década de 1990 a produção de documentários recebeu o impulso histórico da revolução digital, lá estava o IDFA para consolidar-se como parada obrigatória na agenda anual. Não à toa, Cannes, Berlim e Veneza acabaram por criar premiações específicas para o gênero.
Um ciclo especial sintetiza o duplo marco deste ano. Dedicado a Ally Derks, “The Visual Voice” (A Voz Visual) reúne 18 mestres do documentários que marcaram os 30 anos do festival, com debates e projeções no mesmo centro cultural De Balie onde tudo começou. Entre eles, os americanos D. A. Pennebaker, Chris Hegedus, Frederick Wiseman e Steve James, os britânicos Kim Longinotto e Nick Broomfield, o dinamarquês, os holandeses Heddy Honigmann e John Appel, e o iraniano Maziar Bahari,
Ao invés de apresentarem títulos deles mesmos, cada realizador foi convidado a escolher um documentário marcante do período. Selecionado por Leth, “Santiago” de João Moreira Salles será exibido ao lado de outros clássicos, como “Os Catadores e Eu” (2000), de Agnès Varda, “Crise” (1963), de Robert Drew, e “Hotel Terminus” (1988) de Marcel Ophüls. Três outros ciclos especiais abordam o documentário de hoje e de amanhã. “Câmera em Foco” reúne dez títulos e dez diretores de fotografia para debater o papel da cinematografia. Entre os convidados, o americano Ed Lachmann (Tokyo-Ga), o francês Pierre Lhomme (O Maio Feliz) e a finlandesa Pirjo Honkasalo (Atman). Por sua vez, “Shifting Perspectives: The Arab World” (Perspectivas Mutantes: O Mundo Árabe) exibe 16 obras clássicas e contemporâneas que lançam luzes sobre a região antes e depois das recentes “primaveras” democratizantes e da desumana guerra civil síria.
Já o tradicional ciclo “Top Ten”, que celebra mestres em atividade, inova ao homenagear o artista digital americano Jonathan Harris, criador de narrativas na internet, com maior ou menor grau de interatividade, como o autobiográfico “Today” (Hoje) e “We Feel Fine” (Estamos Bem), este em parceria com Sep Kamvar. Sua seleção heterodoxa vai do surrealismo místico de “A Montanha Sagrada” (1973), de Alejandro Jodorowsky, ao interativo “Everything” (2017), de David O’Reilly.
Nesta edição histórica, teremos a mais ampla participação brasileira no IDFA em meia década. Além da honrosa projeção de “Santiago”, nada menos que seis documentários serão exibidos. João Moreira Salles volta ao festival também com “No Intenso Agora”, dentro do ciclo Mestres. “Piripkura”, de Renata Terra, Bruno Jorge e Mariana Oliva, participa da competição de estreantes e já é um dos três finalistas ao novo prêmio de direitos humanos.
“Híbridos, Os Espíritos do Brasil”, de Vincent Moon e Priscila Telmon, está no ciclo de documentários musicais, enquanto “Construindo Pontes”, de Heloísa Passos, será exibido no Panorama. O vencedor da disputa nacional de curtas no É Tudo Verdade, “Boca de Fogo”, de Luciano Pérez Fernandéz, compete na renovada competição internacional do formato. Já Denise Kelm Soares estreia seu curta rodado em Cuba, “I Am” (Eu Sou), na disputa de documentários de estudantes. Uma oitava representante brasileira, mas com uma coprodução entre EUA e Palestina, é Julia Bacha (Budrus), que exibe no ciclo Panorama “Naila and the Uprising” (Naila e o Levante), que retrata uma militante palestina a partir da primeira Intifada em 1987.
Não é pouco o que esta robusta representação deve a Ally Derks.