Nosso
filme dessa semana é “Uma Longa Viagem”, de Lúcia Murat, vencedor do Festival de
Gramado de 2011.
Há quatro décadas Lúcia Murat desenvolve uma sólida
filmografia alternando-se entre documentário e ficção. Não surpreende, assim,
que certo grau de hibridização marque todos seus filmes, a começar de seu
primeiro longa documental, “Que Bom Te Ver Viva”, de 1986.
Ao realizar uma obra pioneira sobre as mulheres que
sobreviveram a tortura pela ditadura militar, combinando depoimentos e um
monólogo interpretado por Irene Ravache, Lúcia colocava na tela várias marcas
de sua produção: autobiografia, feminismo, militância por justiça contra os
algozes da ditadura. “Uma Longa Viagem” retoma alguns deles em registro
marcadamente memorialístico.
Sua história familiar está ao centro no filme. Contrapõem-se
duas trajetórias entre o final dos anos 60 e o começo dos 70: a dela, como
militante política, e a de seu irmão Heitor, o protagonista, que caiu de cabeça
na experiência hippie.
Como em “Que Bom Te Ver Viva”, depoimento e encenação se
complementam. Ambos giram em torno de Heitor, cuja história é recuperada por
meio de uma entrevista e das cartas enviadas para casa em sua dionisíaca
jornada planetária. Caio Blat as interpreta, funcionando como uma espécie de
ator-guia, cumprindo papel similar ao de Irene no filme dos anos 80.
“Uma Longa Viagem” dialoga assim também, como balanço
geracional, com aos menos dois outros filmes ficcionais de Lúcia, o anterior
“Dois Irmãos” e o posterior “A Memória Que Me Contam”. Lúcia Murat consolida
dessa forma uma das obras mais pessoais e coerentes de nosso cinema
contemporâneo.