O Cinema Francês em 5 Papos
Por Amir Labaki
Cinco curiosas entrevistas com grandes cineastas franceses do pós-guerra acabam de ser editadas em livro na França: “Entretiens avec Jacques Chancel – Jean-Pierre Melville, François Truffaut, Claude Chabrol, Louis Malle, Claude Lelouch” (La Table Ronde/France Inter/INA, 184 págs, 20 euros). São transcrições de depoimentos, de cerca de uma hora, registrados entre o final de 1969 e o começo de 1982, a um dos mais longevos e prestigiados programa da rádio France Inter, “Radioscopie”.
O programa manteve-se no ar de 1968 a 1982 e entre 1988 e 1990, alcançando a marca de 6826 emissões sempre sob a batuta de seu criador, o jornalista e escritor Jacques Chancel (1928-2014). Diante de seu microfone passou um verdadeiro quem é quem da vida cultural e política francesa, de Chagall a Arthur Rubinstein, de Jean-Paul Sartre a Roland Barthes, de Brigitte Bardot a Jeanne Moreau, do presidente Valery Giscard d’Estaing a seu futuro sucessor Jacques Chirac.
Cinema era portanto apenas um de seus muitos assuntos. Não surpreende, assim, que as entrevistas tragam a marca de um generalista como Chancel, enfatizando detalhes biográficos e pautas de ocasião, como filmagens e estreias recentes.
Diretor de clássicos do cinema policial francês como “O Jogador” (1956) e “O Samurai” (1967), Melville (1917-1973) é questionado sobre sua fama de homem difícil e durão. Truffaut (1932-1984) fala de sua transição de crítico acerbo nas páginas do “Cahiers du Cinéma” a diretor prolífico. Chabrol (1930-2010) refuta a classificação de “burguês”, afirmando-se “marxista” mas também “gourmand”.
Por sua vez, Louis Malle (1932-1995) reconhece a “má consciência” que o acompanhou durante a juventude pela origem privilegiada e seu perfil discreto. Por fim, Claude Lelouch, que completa 80 anos em outubro próximo, afirma-se cansado de responder, por onde passe mundo afora, a questões sobre a antipatia da crítica a seus filmes, revelando ter parado de ler resenhas desde a estreia em 1970 do policial “Um Homem Como Poucos”.
A abordagem informal e intimista de Chancel desarma os entrevistados, para além das respostas prontas de cineastas de carreiras já consolidadas. À exceção de Louis Malle, formado no curso de cinema do IDHEC em Paris, todos recordam suas formações como diretores autodidatas. O amor precoce e incondicional aos filmes os irmana, coincidindo Melville e Truffaut em datar dos 12 anos de idade a decisão de abraçar o cinema como profissão, com Malle lembrando ter-se definido aos 13 anos.
Para Chabrol, “o mais belo filme que vi na vida é um filme mudo de Murnau, ‘Aurora’” (1927). Operador de câmera de origem, e também em seus próprios filmes, Lelouch classifica “Quando Voam as Cegonhas” (1957), de Mikhail Kalatozov, como provavelmente “o mais belo filme do mundo”: “O trabalho de câmera deste filme é um trabalho de personagem”. Truffaut revela que, entre os filmes dos quais nunca perdia uma reprise em salas, estavam “Janela Indiscreta” (1954), de Alfred Hitchcock, e “A Carruagem de Fogo” (1952), de Jean Renoir.
Consensualmente, os cinco frisam preferir o sucesso de público ao reconhecimento da crítica. “Um artista não tem o direito de não querer buscar o sucesso. Isso faz parte da criação”, enfatiza Melville. “Eu continuo a acreditar, sem arrependimentos, no cinema como distração popular”, assevera Truffaut.
O Brasil por duas vezes se infiltra nas conversas. A única referência direta é feita por Louis Malle, que destaca estar dando a entrevista (27/3/1972) na chegada de uma viagem “de quinze dias na Amazônia”. Infelizmente jamais se concretizou seu projeto de realizar um documentário “que parece(ria) no fundo com a experiência que tive na Índia”, resultando em “Índia Fantasma” (1969).
François Truffaut não cita nominalmente “O Pagador de Promessas” (1963), de Anselmo Duarte, mas é como “muito triste” que classifica sua participação no júri de Cannes que lhe concedeu a Palma de Ouro. Presidido pelo poeta e diplomata japonês Tetsuro Furukaki e reunindo entre outros o ator Mel Ferrer, o escritor Romain Gary e a atriz Sophie Desmarets, o júri “não falava da mesma coisa quando falava dos filmes”, recordou Truffaut.
“Quando não chegamos a um acordo sobre dois filmes fortes, bem, finalmente é um filme fraco que passou. Chegamos a uma premiação verdadeiramente de compromisso”. Dando nome aos bois, “O Processo de Joana d’Arc”, de Robert Bresson, e “O Eclipse”, de Michelangelo Antonioni, dividiram o Prêmio Especial do Júri, e a Palma foi atribuída a “O Pagador de Promessas”. Nada embota o brilho do até hoje maior triunfo internacional do cinema brasileiro, nem do próprio filme, mas já era mais que hora daquela surpreendente vitória ter sua história devidamente contada.