Por Amir Labaki
Sob uma atmosfera algo enevoada, o Festival de Cannes celebra sua 70a edição a partir da próxima quarta-feira (17). Há a alegria pela efeméride, o alívio pelo triunfo na disputa presidencial de Emmanuel Macron e a tensão pelas exigências de segurança aumentadas especialmente desde o ataque do terror jihadista à vizinha Nice em julho passado.
Se, “cada ano, Cannes começa sob nervosismo e termina em melancolia”, como escreve seu diretor geral, Thierry Frémaux, em seu diário da edição 2016 (“Sélection Officielle”, Grasset, 624 págs, 23,40 euros), será desta vez ainda maior a palpitação de abertura, a cargo do francês “Os Fantasmas de Ismael” de Arnaud Déspléchin. Mesmo a celebração promete-se tímida.
A marca de 70 edições será lembrada por quatro projeções especiais, por uma seleção de títulos memoráveis das sete décadas no ciclo Cannes Classics e por um livro de crônicas. As estreias comemorativas serão do longa-metragem póstumo “24 Quadros” de Abbas Kiarostami (1940-2016), de episódios inéditos das novas temporadas das telesséries “Twin Peaks”, de David Lynch, e “Top of Lake”, de Jane Campion ( codireção de Ariel Kleiman) e do curta-metragem “Venha Nadar” (Come Swin), da atriz Kristen Stewart.
Entre os clássicos, um dos premiados na primeira edição (1946), “A Batalha dos Trilhos” de René Clement, e seis vencedores do prêmio principal: “O Salário do Medo” (1953), de Henri-Georges Clouzot, “Blow Up – Depois Daquele Beijo” (1967), de Michelangelo Antonioni, “All That Jazz” (1980), de Bob Fosse, “Homem de Ferro” (1981), de Andrzej Wajda, “Yol” (1982), de Yılmaz Güney and Şerif Gören, e “A Balada de Narayama” (1983), de Shohei Imamura.
No papel, o júri presidido por Pedro Almodóvar não tem do que reclamar dos candidatos à Palma de Ouro 2017. Há um único vencedor na lista, aliás por duas vezes (“A Fita Branca”, 2009, “Amor”, 2012), o austríaco Michael Haneke, que volta à disputa com “Happy End” (Final Feliz). A seu lado, não faltam “habitués” da Croisette ainda em busca de sua grande consagração: a americana Sofia Coppola (com a refilmagem de “O Estranho Que Nós Amamos”), o francês Jacques Doillon (Rodin), o americano Toddy Haynes (“Wonderstruck”, maravilhados), o francês Michael Hazanavicius (biografando o jovem Godard em “Le Redoutable”, o temível), a japonesa Naomi Kawase (“Hikari”, esplendor), o russo Sergei Loznista (“Krotkaya”, adaptação de “Uma Criatura Dócil” de Dostoievsky), o francês François Ozon (“L ‘Amant Double”, o amante duplo) e o russo Andrey Zyagintsev (“Nelyubov”, não-amado).
O grande feito do ano deve-se ao diretor sul-coreano Hong Sangsoo, que emplacou dois títulos na seleção oficial. Vencedor da mostra “Um Certo Olhar” em 2010 com “Hahaha”, Hong concorre à Palma de Ouro com “Geu-Hu” (O Dia Seguinte) e exibe nas Projeções Especiais “Keul-Le-Eo-Ui Ka-Me-la” (A Câmera de Claire), protagonizado por Isabelle Huppert. Outro cineasta sul-coreano, Bong Joon-Ho, também estreia na principal mostra de Cannes, com o longa “Okja”.
Dois veteranos de Cannes lançam seus novos filmes em projeções especiais fora de concurso. Roman Polanski apresenta “D’Après Une Histoire Vraie” (Baseado Numa História Real), enquanto André Téchiné recebe um “Tributo” com a pré-estreia de “Nos Années Folles” (Nossos Anos Loucos).
Especialmente encorpado alcança o prêmio de documentário, o Olho de Ouro, sua terceira edição. O júri presidido pela atriz e documentarista Sandrine Bonnaire vai analisar nada menos que 20 títulos, entre os quais as novas obras de mestres como Ágnes Vardas (“Visages, Villages”, faces, cidades, codirigido pelo fotógrafo JR), Amos Gitai (West of The Jordan River”, a oeste do rio Jordão), Barbet Schroeder (“Le Vénérable W”, o venerável W.), Claude Lanzmann (Napalm), Eugene Jarecki (“Promised Land”, terra prometida) e Raymond Dépardon (“12 Jours”, 12 dias), além da estreia na direção de Vanessa Redgrave, “Sea Sorrow” (Dor de Mar), sobre a crise dos refugiados na Europa.
Ainda que tenha sido marcante sua presença no ano passado, a começar do prêmio de melhor documentário para “Cinema Novo”, de Eryk Rocha, e do protesto no tapete vermelho pela equipe de “Aquarius”, o cinema brasileiro acompanhará a festa de longe. Nenhum filme na seleção oficial, na Semana da Crítica um longa-metragem (“Gabriel e a Montanha”, de Felippe Barbosa) e o cineasta Kleber Mendonça Filho na presidência do júri, e apenas um curta-metragem (“Nada”, de Gabriel Martins) na Quinzena dos Realizadores, que apresenta também duas coproduções internacionais de Rodrigo Teixeira (“A Ciambra”, de Jonas Carpignano, e “Patti Cake$”, de Geremy Jasper). Não é nada, não é nada, sim, é muito pouco.