Por Amir Labaki
Era o Oscar da diversidade, da negritude, da pluralidade e do antitrumpismo –até que, nos instantes finais, adveio o vexame. E o incessantemente cutucado presidente Donald Trump acabou rindo por último, com a inédita confusão na troca do título do vencedor do troféu de melhor filme pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, primeiro atribuído erroneamente a “La La Land: Cantando Estações” até ser destinado a “Moonlight: Sob a Luz do Luar”.
Conduzida pelo insosso Jimmy Kimmel, a cerimônia como previsto foi um porre, quebrado aqui e ali por boas sacadas como uma visita surpresa de turistas à cerimônia e a leitura de tuítes negativos por seus próprios alvos (como Robert DeNiro). A premiação foi, contudo, se não justa, ao menos equilibrada, repartindo as principais estatuetas entre seis dos nove indicados ao Oscar principal. Destes, apenas “Estrelas Além do Tempo”, “Lion: Uma Jornada para Casa” e “A Qualquer Custo” saíram de mãos abanando.
Líder e recordista com 14 indicações, o musical “La La Land” levou cinco prêmios, incluindo os de diretor (Damien Chazelle, aos 31 anos o mais jovem vitorioso na história da categoria) e atriz (Emma Stone). “Moonlight”, um drama sobre a formação de um afro-americano “gay” nas franjas dos EUA, ganhou três: filme, roteiro adaptado (o também diretor Barry Jenkins e o autor da peça original, Tarell Alvin McCraney) e ator coadjuvante (Mahershala Ali, de “House of Cards”).
Por sua vez, o drama familiar “Manchester À Beira-Mar” recebeu os Oscars de melhor roteiro original (o também diretor Kenneth Lonergan) e ator (Casey Affleck). Dos citados, apenas os de Ali, Lonergan e Affleck me parecem acertados, e a ficção-científica “A Chegada”, de Denis Villeneuve, premiado apenas pela edição de som, o grande injustiçado.
A pataquada do encerramento roubou o foco do engajamento em favor da inclusão presente em toda a cerimônia, da estudada diversidade étnica e geracional de apresentadores à própria premiação. Dois anos depois da campanha #OscarsSoWhite (#OscarsTãoBranco), alcançou-se um recorde de premiações para afro-americanos. Além dos vitoriosos por “Moonlight”, saíram vencedores Viola Davis como atriz coadjuvante por “Um Limite Entre Nós”, adaptação para as telas da peça multipremiada “Fences” de August Wilson (1945-2005), e Ezra Edelman pelo documentário “O.J: Made in America”, a mais longa produção (uma série em cinco partes, com mais de sete horas e meia de duração) já premiada pela Academia.
Se o discurso mais pessoal e tocante da noite veio de Viola Davis, o mais político foi enviado pelo cineasta iraniano Asghar Farhadi, vencedor com “O Apartamento” de seu segundo Oscar de melhor filme estrangeiro. Boicotando a cerimônia devido ao decreto trumpiano de banimento de viajantes de sete países aos EUA, Farhadi enviou um texto dizendo que “dividir o mundo entre categorias de nós e o inimigo cria medo, uma justificativa enganosa para regressão e guerra”.
Farhadi ao menos perdeu a festa por opção. O diretor de fotografia sírio Khaled Khateeb foi impedido de embarcar para os EUA para acompanhar a cerimônia, na qual saiu premiado o documentário de curta-metragem “Os Capacetes Brancos”, de Orlando von Einsiedel, no qual trabalhara. Disponível no Netflix, o filme retrata o trabalho dos atendentes de emergência às vítimas da guerra civil na Síria.
O mal-estar frente à administração Trump pairou sobre todo o show. Em sua vigésima indicação, desta vez por “Florence: Quem É Essa Mulher?”, Meryl Streep foi ovacionada duas vezes, ecoando a troca de farpas entre ela e Trump após o discurso da atriz em janeiro ao ser homenageada pelo Globo de Ouro. Na apresentação do prêmio de longa de animação (vencido coerentemente por “Zootopia”), o ator mexicano Gael García Bernal improvisou um protesto contra “qualquer tipo de muro”. Antes da debacle na entrega do prêmio principal, que apresentou ao lado de Faye Dunaway, Warren Beatty também destacou a importância da diversidade espelhada pela cerimônia.
Até o Brasil acabou integrado neste esforço. Num segmento sobre o amor ao cinema, os atores Lázaro Ramos e Seu Jorge deram breves depoimentos destacando seus filmes do coração (“O Poderoso Chefão” e “Faça a Coisa Certa”, para o primeiro, “E.T.”, lembrou o segundo). Houve ainda justiça poética ao ver, na seção “In Memoriam”, a foto de Hector Babenco (1946-2016) preceder por pouco a de Debbie Reynolds (1932-2016), a estrela de “Cantando na Chuva” (1952), celebrado na cena final de seu último filme, “Meu Amigo Hindu” (2015).
Tanto empenho para tudo terminar pior do que premiação em quermesse.