Por Amir Labaki
“Ave, César!”, uma comédia sobre a Hollywood dos anos 50 dirigida pelos irmãos Ethan e Joel Coen, abre na próxima quinta-feira, dia 11, o 66o Festival Internacional de Cinema de Berlim. Estabelecido em plena Guerra Fria em 1951, numa cidade então dividida que sofria como capital das tensões entre os EUA e a então URSS, o evento carinhosamente apelidado como Berlinale reinventou-se após a queda do Muro em 1989, tornando-se o mais eurofílico dos três grandes festivais anuais de cinema (Cannes e Veneza sendo os dois outros).
Não é à toa que produções européias sejam assim mais uma vez maioria entre os concorrentes ao prêmio principal, o Urso de Ouro, com apenas dois filmes americanos em disputa (e nenhum russo, vale frisar, e tampouco latino-americano), da mesma forma que simultaneamente à festa de filmes realiza-se nova edição do concorrido Mercado do Filme Europeu. É ainda simbólico da tradição internacionalista da Berlinale o fato de que não seja a Alemanha, e sim a França, a cinematografia com maior número (3) de títulos entre os 18 em competição.
Nada mais natural que seja o francês André Téchiné (Minha Estação Preferida) o principal grande mestre no páreo, com “Aos 17 Anos”. Abrindo o calendário cinematográfico anual, e com menor poder de fogo do que a inescapável Cannes em maio, a Berlinale tradicionalmente mescla autores consagrados (Danis Tanovic), cineastas em meio de carreira (Thomas Vinterberg) e revelações (o português Ivo M. Ferreira) para compor sua seleção principal.
Cumpre conferir os 12 filmes selecionados para o tradicional ciclo paralelo Perspectivas do Cinema Alemão para se tomar o pulso da atual produção germânica. Para compreender sua história, nada melhor do que a retrospectiva do ano, “Alemanha 1966 – Redefinindo o Cinema”. No país ainda dividido, em República Federal da Alemanha (capitalista) e República Democrática da Alemanha (socialista), filmes voltavam a ocupar a linha de frente da produção cultural. De um lado, “O Jovem Törless”, de Volker Schlondörff, anunciava a explosão do Novo Cinema Alemão; de outro, títulos como o censurado “Nascido em 45” de Jürgen Böttcher, desafiavam com seu realismo crítico os limites da cartilha autoritária.
Pioneira na incorporação do documentário em seu cardápio, inicialmente no Fórum do Novo Cinema e desde o começo do século XXI no Panorama Documento, a mostra berlinense amplia neste ano a visibilidade da produção não-ficcional ao incluir dois documentários na disputa do Urso de Ouro. São eles “Fuocoammare” (Fogo ao Mar), do italiano Gianfranco Rosi, cujo filme anterior (Sacro GRA) venceu o Leão de Ouro em Veneza de 2013, e “Zero Days” (Dias Zero), do americano Alex Gibney, premiado com o Oscar em 2007 por “Um Táxi para a Escuridão”.
Fora de competição, será ainda possível ver, entre as diversas seções paralelas, os novos documentários do israelense Avi Mograbi (Entre Cercas), do chinês Wang Bing (Ta’ang), do oscarizado Morgan Neville (A Música de Estranhos: Yo-Yo Ma e o Silk Road Ensemble), e um filme de episódios celebrando a obra do crítico e romancista britânico John Berger (As Estações em Quincy).
O Brasil marca dois filmes do Panorama Documento deste ano. Depois do arquipremiado “Estamira” (2004), Marcos Prado lança em Berlim seu “Curumim”, um retrato de Marco Archer, o traficante brasileiro condenado à morte e executado em 2015 na Indonésia. Já em “Zona Norte”, a cineasta alemã Monika Treut reencontra a militante pelos direitos humanos Yvonne Bezerra de Mello, quinze anos depois de ter retratado em “Guerreira da Luz” (2002) a luta dela em favor dos menores abandonados no Rio.
Vencedora do prêmio de público da seção ficcional do Panorama no ano passado com “Que Horas Ela Volta?”, Anna Muylaert retorna a Berlim para a estreia mundial de seu novo filme, “Mãe Só Há Uma”. O outro filme nacional na mesma mostra é “Antes O Tempo Não Acabava”, de Sérgio Andrade e Fábio Baldo, retomando a parceria de “A Floresta de Jonathas” (2012), dirigido pelo primeiro e montado pelo segundo.
O quinto título brasileiro no festival, “Das Águas Que Passam” de Diego Zon, concorre entre os curtas-metragens. A representação nacional encerra-se com a participação no ciclo experimental Fórum Expandido da coprodução germano-brasileira “Muito Romântico”, de Melissa Dullius e Gustavo Jahn.
Tudo somado, mesmo fora da disputa principal, é uma presença expressiva, ainda mais se lembrarmos a participação de uma dezena de jovens realizadores nos seminários do Berlinale Talent Campus. 2016 começa promissor para o cinema brasileiro nas telas do mundo. Numa conjuntura tão marcada por retrocessos na esfera cultural, eis afinal algo a celebrar.