Imagine se a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), da declaração tardia contra Alemanha e Itália em agosto de 1942 à campanha das Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália de julho de 1944 a maio de 1945, tivesse sido acompanhada e registrada pelas câmeras de Adhemar Gonzaga, Humberto Mauro, José Carlos Burle, Luiz de Barros e Mário Peixoto. É o que aconteceu nos EUA, a partir de seu engajamento no conflito depois do ataque japonês à base de Pearl Harbor em dezembro de 1941, como esmiuça Mark Harris no recente “Five Came Back: A Story of Hollywood and the Second World War” (The Penguin Press, 511 págs, US$ 29,95, 2014).
Os cinco que voltaram do título, contra os cerca de 400 mil americanos mortos no combate, representam parte da nata hollywoodiana mobilizada para o front -nada menos que Frank Capra, George Stevens, John Ford, John Huston e Willliam Wyler. Somados já haviam recebido 6 Oscars e estavam em sua maioria no pico de suas carreiras. Contribuiram com cerca de 40 dos principais títulos do esforço informativo e propagandístico de guerra e, na volta para casa, eram homem mudados, nem todos capazes de retornar ao status anterior de suas carreiras, notadamente Capra.
O leitor brasileiro já conhece o autor, Mark Harris, de sua radiografia da renovação hollywoodiana provocada também por cinco filmes da safra de 1968, entitulada aqui “Cenas de uma Revolução – O Nascimento da Nova Hollywood” (L&PM, 488 págs., R$ 72, 2001). Sua pesquisa para o novo livro é ainda mais detalhada, num misto de história social e crítica de cinema, resultando um desses volumes que nos faz oscilar entre leitura compulsiva e economia de páginas para estender o prazer.
Harris esmiuça o envolvimento de Capra, Stevens, Ford, Huston e Wyler mas vai muito além, explicando como não houve uma coordenação harmônica dos engajamentos civis e militares para a produção documental cinematográfica americana durante a guerra. “Alguns nas forças armadas acreditavam que a perspectiva de ter cineastas sem qualquer conhecimento do ‘jeito militar’ usando divisas em seus ombros era um convite ao caos”, conta Harris. “Os homens estavam procurando aventura, mas mais que isso, estavam buscando relevância num mundo que havia se tornado mais áspero e mais perigoso que qualquer coisa que seus chefes de estúdio os deixaria retratar num filme”.
De origem familiar irlandesa, John Ford, já com 47 anos, foi primeiro a se engajar, na Marinha, três meses antes de Pearl Harbor, presciente de que o conflito, para muitos distante da vida americana, “exigiria, e premiaria, preparações antecipadas”. No total, envolveu-se diretamente em oito documentários, o mais importantes deles sendo “A Batalha de Midway” (1942), pioneiro em exibir para milhões de espectadores americanos a crueza do confronto.
Então com 39 anos, William Wyler, de família judaica emigrada da Alemanha, jogava tênis em sua casa californiana coincidentemente com John Huston, de 35 anos, quando souberam do ataque naquele domingo que passou para a história americana, nas palavras do presidente Franklin D. Rooselvelt (1882-1945), como “dia da infâmia”. O único do quinteto com parentes em risco direto e urgente pelo genocídio nazista, Wyler realizou ainda antes de partir um drama ficcional sobre as agruras dos ingleses sob bombardeio nazi, “Rosa da Esperança” (1942).
Já atuante no esforço de guerra a partir do solo britânico, Wyler não estava mais em Hollywood ao vencer por ele aquele que seria o primeiro de seus três Oscars de melhor diretor. Dos dois documentários que realizou, o mais marcante, até pelo considerável risco pessoal envolvido em sua filmagem, foi “Memphys Belle: A História de Uma Fortaleza Voadora” (1944).
De ascensão mais recente em Hollywood, por sua aclamada estreia na direção com “Relíquia Macabra” (1941), Huston realizaria dois dos mais impressionantes documentários sobre o conflito (Reportagem das Aleutas, 1943, e A Batalha de San Pietro, 1945). De volta aos EUA, documentou a devastação psíquica de 75 veteranos no retorno para casa em “Let There Be Light” (Que se Faça a Luz, 1946), um registro tão perturbador que foi banido oficialmente do público até 1980.
Nascido na Sicília italiana, Frank Capra já contava 45 anos e três Oscars de melhor diretor nos sete anos anteriores ao incorporar-se ao Exército em 1942. Assustado pelo “super-espetáculo de gelar o sangue” de “Triunfo da Vontade” (1935) de Leni Riefenstahl, desafiado pelas novas tarefas, “sem estúdio, sem equipamento, sem equipe”, Capra teve a sacada de apostar no documentário de arquivo para realizar os sete filmes da principal série didática sobre a Segunda Guerra, “Why We Fight” (Porque Lutamos, 1942-1945).
Especialista em comédias e dramas românticos no pré-guerra, nada indicaria que George Stevens, de 37 anos, registraria com sua câmera algumas das cenas de violência e horror mais explícitos no front europeu. Ele e Ford foram os únicos dos cinco a acompanhar o desembarque americano na praia francesa de Omaha em 6 de junho de 1944, o Dia-D.
Stevens filmou ainda a liberação de Paris mas nada se compara a suas imagens da chegada ao campo de concentração de Dachau. “Foi como caminhar em uma das visões do inferno de Dante”, resumiu. Sob o impacto de tudo que testemunhou, Stevens arquivou secretamente muito do material por ele filmado. E assim o manteve, longe dos olhos do público, até sua morte em 1975.